segunda-feira, 23 de junho de 2014

Insuportável.

A cabeça dói e os dentes rangem. O coração palpita e a velocidade dos pensamentos que tentam decifrar a sensação é incompreensível. Quem quer sossego, não pode ter contato com isso. Em contrapartida, depois de se ter contato com isso, é só nisso que se pensa.

Seria mais fácil dizer que é um feitiço. Até quem gosta de repetir que é descrente, que controla, que sabe e que faz só o que quer, no fundo, quando enxerga a possibilidade de perder os sentidos e o chão, morde a isca e depois culpa o acaso. É que quando a imaginação acorda para perspectivas onde se perde a vista no horizonte, a curiosidade começa a berrar e falar sim é tudo o que se quer.

Insuportável, na verdade, é um elogio inefável.

sábado, 3 de maio de 2014

Mentira tem perna curta e não anda sozinha


Recentemente rolou um debate sobre mentir. Eu sou contra mentir, muito contra. Mas quero esclarecer uma coisa: quem diz a verdade não o faz porque é muito bacana e não quer enganar ninguém. Não mente porque não quer correr o risco de ser pego e ter que usar a criatividade para inventar as mil outras mentiras para sustentar aquela primeira. Não mente, também porque sentiria vergonha no caso de ser pego (aí sim, isso seria um traço virtuoso, afinal, vergonha e pó compacto sempre caem bem na cara) e também não mente porque é bizarramente egoísta e, não se importando com o que o sujeito que ouve a verdade vai sentir, visa seu bem-estar da consciência limpa.

Então é isso, não é tocante estar diante de gente que não mente, o que eu quero ver é gente que não faz cagada, aí sim, talvez eu me impressione.

Desejo a todos consciência e que encontrem pessoas iguais em seus caminhos. Pros amigos é a melhor benção, pros inimigos, a pior praga.

Insight gerado depois de observar que tudo o que desejamos aos outros, nos volta em dobro. Eu posso suportar consciência e gente igual a mim. Que venham! 


terça-feira, 1 de abril de 2014

Rompimento é liberdade

Era uma vez uma moça que ficava online e lá se relacionava com outras pessoas online. Ela brigava por uma causa social nobre e simpática, participava de diversas maneiras dessa causa e no ambiente online começou a encontrar os "companheiros de luta" como ela gostava de chamá-los.

Nasceu amizade com um desses companheiros de luta dela. Ele era escrachado, tinha em comum com ela, além da mesma causa social, falar tudo que vinha a cabeça, sem pensar. Ela discordava de 80% do que ele escrevia, porém, as idéias dele, sob o ponto de vista dela, equivocadas, não feriam nenhum dos seus princípios e com referência a causa social deles eles concordavam em 100%. Isso fez com que os anos passassem e eles se aproximassem. Na prática, se defendiam, a cada conquista de um, o outro era incluído e eventualmente, desabafavam um com o outro. Uma relação que não era intensa, mas era profunda.

Todo ser humano é carente, e, carentes, fazem coisas para cativarem uns aos outros. A atuação no trabalho social é uma das coisas que as pessoas fazem para se cativar mutuamente. No caso dele, a atuação social era insuficiente, ele gostava de dar declarações polêmicas, posar de politicamente incorreto, causar. Mas como era bom caráter e acertava em muitas coisas, ela tolerava todas as diferenças.

Um dia, surgiu uma notícia de que 65% dos brasileiros, dentre os entrevistados muitas mulheres, achavam que mulheres que usam roupas sensuais merecem ser estupradas. A notícia não choca nenhuma mulher. Todas sabem na pele que a mentalidade do brasileiro é assim. Todas são vítimas do machismo, incluindo as machistas. O machismo é essa coisa nojenta, forte, impregnada na cultura do mundo, no Brasil num nível mais grave, o que interessava na pesquisa era o gancho que as mulheres precisavam para pedir que simplesmente parassem com o machismo.

Ele se pronunciou como não acreditando na pesquisa, dizendo que era uma manobra de massa. Oi? Ela tinha naquele momento o intolerável: estava diante do amiguinho polêmico posando numa atitude absolutamente machista (sim: fingir que machismo não existe ou não é tão grave, é machismo). Dessa vez, ele feria um princípio e ela precisava, por um compromisso consigo própria, se pronunciar. Foi o que fez: no post dele ela comentou que machismo era real e sério e que ela falaria com ele inbox.

Inbox ela explica que a pesquisa mostra a realidade, sim!  Que ela mesma e amigas diretas passaram por violência e a pergunta é sempre "o que você estava fazendo lá", "que roupa você estava usando" , "você bebeu" e coisas do tipo. Não se trata de perguntas simples, mas perguntas que, depois da resposta da vítima são seguidas de "ah, mas você queria o que também?" e que isso, essa responsabilização da vítima desse crime horroroso é uma segunda violência ainda mais séria e que ele tinha que se retratar, afinal, era inviável pra ela ler aquilo. Caso ele não se retratasse, o rompimento era a única alternativa enxergada por ela.

Ele responde que a raiva dela era pautada numa experiência pessoal, que existe violência da mulher contra o homem, que ele tinha direito a opinião dele.

Ora, opinião dessas? Isso é injustiça, não opinião. É absurdo do homem, branco, hetero negando que existe machismo, racismo, homofobia e desmerecendo o sofrimento das suas vítimas. Mentindo para si próprio em público e angariando seguidores (a internet possibilita isso). Opiniões merecem respeito e debate, só que no caso das injustiças o que cabe são esclarecimentos e combate. Ela pediu que ele parasse de argumentar uma vez que o simples fato dela ter que justificar o que ela já havia explicado a magoava mais. Ela já sabia, no seu íntimo, que o momento do rompimento tinha chegado.

A separação sempre envolve algum tipo de sofrimento. O medo da saudades, de abrir mão, de tomar a decisão justa quando ela depende do nosso movimento. Esses medos nos causam sofrimento. Em contra-partida, se você fica triste porque abriu mão de algo externo, no caso, um amigo, imagina se você abre mão de um valor. Abrir mão de um valor é ferir-se a si próprio no íntimo, é destruir a própria identidade e perder tranquilidade até pra se olhar no espelho. Consciente disso, ela lamentou a morte simbólica do amigo dela, enfrenta o luto e se sente aliviada por ter mantido a lealdade com ela mesma. Desfez as conexões online, incluindo uma página que faziam juntos, e veio escrever esse texto, como última homenagem ao que aconteceu de bom na vida em comum com ele.